O demônio da carne: escritores homossexuais e catolicismo no Brasil - Prof. Dr. Fábio Figueiredo Camargo
Publicado: 19/10/2020 - 12:09
Última modificación: 28/08/2023 - 14:11
O presente projeto pretende analisar os textos ficcionais, críticas literárias, correspondências e diários de Lucio Cardoso, Otávio de Faria, Walmir Ayala e Paulo Hecker Filho. Estes escritores produzem uma literatura denominada intimista que começa nos anos 1930, caso de Lucio Cardoso e Otávio de Faria; e têm uma continuidade nos anos 1950 na produção de Walmir Ayala e Paulo Hecker Filho. O que chama atenção na produção desses autores e está expresso tanto nos textos ficcionais quanto nos textos autobiográficos é o conflito constante entre o fato de serem católicos fervorosos e, ao mesmo tempo, homossexuais. Suas produções literárias estão marcadas pelas relações de impacto entre o que a doutrina católica pregava e o que era esperado deles enquanto cidadãos do mundo. Lucio Cardoso e Otávio de Faria foram amigos durante a vida toda, e Walmir Ayala soma-se ao grupo vindo de Porto Alegre, ainda nos anos 1950; Paulo Hecker Filho, se corresponde com Lucio Cardoso durante os anos 1950, e escreve sobre a literatura de Cardoso, assim como sobre Otávio de Faria. Os corpora do projeto serão o diário de Otávio de Faria, inédito, os diários de Lucio Cardoso, publicados em 1947 e 1961, reeditados em 2012, os diários de Walmir Ayala, publicados entre 1962 e 1976, a correspondência trocada entre eles, a crítica produzida em artigos específicos, que tangenciam o homoerotismo, assim como os livros de ficção: Mundos mortos, Atração, A montanheta, de Otávio de Faria, sendo o primeiro publicado em 1937, e os outros dois publicados em 1985; O desconhecido, publicado em 1940, e Crônica da casa assassinada, de 1959, ambos de Lucio Cardoso; a novela Internato, de Paulo Hecker Filho, publicado em 1951; Um animal de Deus, de Walmir Ayala, publicado em 1967, e O anoitecer de Vênus, publicado em 1998. O projeto pretende propiciar um olhar sobre uma produção esquecida como a de Otávio de Faria, Walmir Ayala e Paulo Hecker Filho, bem como olhar mais de perto a produção ficcional de Lucio Cardoso. Desse modo produzir-se-á um estudo que dê conta de resolver algumas questões, as quais são importantes, como a relação entre culpa e pecado na produção dos autores e como eles representam isso em suas obras literárias, bem como levantar suas opiniões sobre essas relações aparentemente não convergentes entre a sexualidade deles, reconhecida pelos mesmos como desviantes, e os dogmas da igreja católica de seu tempo. Pretende-se analisar como esses escritores viviam e pensavam a sua religiosidade e como isso transparece em suas cartas, diários e ficções, assim como eles percebiam o que seria a questão da homossexualidade, e como esse conflito está representado em suas narrativas. Quais as expressões que eles utilizavam para nomear, reconhecer e estabelecer seus códigos de conduta e como isso aparece nesse material constante, juntamente com as ideias sobre a produção de seus textos. Mais do que meramente um levantamento sobre a biografia dos autores, nos interessa como o vivido se aproxima ou é transfigurado na obra. Pelo viés da literatura comparada é perfeitamente possível tecer essas relações trazendo o que esse grupo produziu, inclusive enquanto conduta para futuros escritores com os quais eles travaram contato e influenciaram. Para tanto lançaremos mão dos estudos comparados de literatura e sociedade, conforme Antonio Candido (1967), a noção de espaço biográfico de Leonor Arfuch (2010), o conceito de amizade literária, condo no trabalho de Eneida Maria de Souza (2011), bem como o conceito de escritas de si, de Michel Foucault (2006). A partir do conceito de homoerotismo apresentado por Jurandir Freire Costa (1992) e José Carlos Barcellos (2006) pretendemos ressignificar essa produção com olhos menos preconceituosos, e possivelmente perceber nessas obras não só as marcas do tempo, mas tensão de forças entre a religiosidade e o desejo, o que produz uma literatura bastante singular, intimista, com forte carga psicológica, e, que, ao contrário do que se julgou, nada tem de alienada.
Temas para Orientação: Literatura Brasileira; Literatura e homoerotismo; Literatura e Identidade; Literatura e teoria queer.