Os espaços de confinamento nas obras de Samuel Beckett e Maura Lopes Cançado: geometrias da loucura
Publicado: 23/08/2023 - 13:29
Última modificação: 23/08/2023 - 16:20
RESUMO
A presente tese tem por objetivo a leitura crítica dos espaços circulares em O despovoador e Espiral ascendente, obras do escritor e dramaturgo Samuel Beckett, e dos espaços quadráticos em Quad I+II e No quadrado de Joana, obras da escritora mineira Maura Lopes Cançado, desvelando como essas figuras geométricas de confinamento irão contribuir para a loucura de seus personagens.A preocupação com a representação na arte sempre esteve presente tanto na crítica quanto nas obras de Beckett. Sua busca pelo mínimo expressivo retrata o seu interesse por uma arte que, tendo referência no real, busca sua transposição através da discussão do papel do sujeito fragmentado, o qual será analisado no conto O despovoador de 1970 e na peça televisiva Quad I+II de 1981. No conto, o enredo ocorre no confinamento de um cilindro onde cerca de 200 pessoas, inseridas em um lugar extremamente lúgubre, erram a procura do que se chama despovoador. Na peça televisiva, quatro atores, trajando longos capuzes que escondem seus rostos, percorrem, respectivamente, o perímetro de um quadrado, sem nunca se encontrarem, vacilarem ou chegarem ao centro do quadrado.Por sua tensão interna, esta valsa do esgotamento representa o distanciamento da memória e da razão, existindo, segundo Deleuze, como uma “imagem ilógica, amnésica e quase afásica” (2010). Já a escrita de Maura Lopes Cançado traz, na marca autobiográfica da esquizofrenia, o locus familiar à loucura: o hospício. As doenças da autora e a vivência como interna deram a ela matéria viva para escrever sobre um espaço que evoca o enclausuramento físico e mental. O quadrado de Joana foi uma homenagem à sua colega que percorria o perímetro quadrático do pátio na busca de eliminar os traços curvilíneos de humanidade (e sanidade) que ainda lhe restavam. Em Espiral ascendente, a autora narra, em primeira pessoa, um episódio onde tenta suicídio numa cachoeira, unindo-o com o que aconteceu quando é socorrida e levada de volta à clínica. O conto tem explícita intertextualidade com a peça Hamlet de Shakespeare e respaldo na biografia de Maura Lopes Cançado, que representava Ofélia no grupo teatral do manicômio. Sua escrita recriará sua vida, que se baseia na arte, tudo num giro vertiginoso ao sabor torpe de sonifene, medicação para controlar seus ataques virulentos de loucura. O simbolismo do círculo pode ser entendido como uma representação da totalidade dos aspectos da psique do sujeito e de sua relação com o mundo externo e as pessoas. Mais particularmente, o símbolo da espiral seria esse círculo mental em projeção infinda. Desse modo, aproximamos círculos e quadrados beckettianos e cançadianos, vendo, nestes espaços literários, um campo para a reflexão crítica dos liames da razão sob corpos e pensamentos confinados.
Palavras-Chave: Loucura. Imagem. Espaço. Maura Lopes Cançado. Samuel Beckett